sexta-feira, 31 de dezembro de 2010

O dia seguinte

    Passei o dia pensando em que escrever para o último dia do ano de 2010. Se eu falar sobre o Lula serei redundante, pois toda a mídia só fala dele e o exalta como o político nota dez do Brasil. Falar sobre as corrupções do governo brasileiro também não acho legal. Afinal, já criamos uma casca que nos calejou à essas tristezas que nos batem na cara e que todos os dias nos jornais nos recordam que somos governados por uma maioria de corruptos.  Nada veio à cabeça. Peguei minha bicicleta e fui ao parque do Ibirapuera. No caminho, a praça ao lado da minha casa me lembrou que vi igual sujeira no Sudão, país com 90% da população pobre. Na Vila Nova Conceição meninos faziam malabarismo com bolas de tênis para tentar tirar um trocado. Mendigos com o olhar sem objetivo, ali apenas por viver. Famílias que moram nas ruas com as crianças que ficam a mercê dos adultos e são obrigadas a pedir dinheiro no farol. Já no parque, vi as pessoas passeando, divertindo-se com filhos e amigos, esperando a zero horas. 
    Ainda na pedalada lembrei da viagem aos Estados Unidos e de como a estrutura e a organização das ruas de Washington, a capital,  e de Nova York são surpreendentemente melhores que as nossas.
    Juntando todos os conhecimentos deste ano e batendo no meu liquidificador de idéias, chego a conclusão de que somos um meio termo entre África e Estados Unidos. Mais para África. Sério! Penso isso mesmo. Quanto ainda temos que caminhar para chegar a ser um país desenvolvido, se é que um dia conseguiremos, com essa quantidade enorme de analfabetos, mal instruídos e desempregados sob o comando de governantes “olhos gordos”, que não podem ver cinco reais que catam.
    O jornalista Laurentino Gomes, em seu livro 1822, descreve as descobertas que obteve em suas investigações, que apontam um Brasil à beira da independência, com uma grande maioria de analfabetos e com um bando de corruptos no governo. Enquanto que na América do Norte os escravos já liam e escreviam.
    Poderia escrever até 2011, mas para um blog seria demais e não quero cansar ninguém. Então fico por aqui contido, preso à realidade que me cerca e que acredito que um dia mudará, fazendo um Brasil merecedor de tanta popularidade presidencial.
Feliz Ano Novo !

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

Mãos ao alto

    Anteontem aconteceu o 24º arrastão em condomínio residencial, em São Paulo. Moradores e porteiros sequestrados, apartamentos saqueados e os bens levados. O prédio assaltado na Alameda Jaú, próximo a Avenida Paulista, um dos pontos nobres da cidade paulistana, não ofereceu dificuldades à ação dos marginais, que apenas encostaram o carro no portão como se fossem moradores querendo entrar, assim tiveram acesso fácil. O porteiro, sabe-se lá o porquê, deixou os bandidos entrarem sem averiguar com cautela quem eram àqueles dentro do veículo.
    Já somos vítimas da pobre qualidade da segurança pública que nos é oferecida, e agora temos que manter o mesmo sentimento pelos porteiros que claramente não são mais capacitados para abrir e fechar portões nos condomínios nobres da metrópole. No fim das contas, parece que a melhor coisa a fazer é gastar mais e contratar segurança especializada, composta por ex-policiais e homens treinados como são treinados os defensores da lei.  Não basta o imposto que pagamos, temos que pagar a mais para nos sentir seguros. Chegamos ao ponto de não poder ter simples guaritas trabalhando na porta de nossas residências. Precisamos de polícias particulares, e ainda quem sabe, no futuro, precisaremos de um exército particular para impedir que criminosos invadam e ameacem a segurança das famílias. Enfim, fica o alerta: quando voltar para sua casa, cuidado, você pode ser assaltado dentro dela.

domingo, 26 de dezembro de 2010

Fazendo a lição de casa

    Continuando a falar sobre as anistias, que livram a barra de militares que cometeram crimes durante as ditaduras na América Latina. Na FOLHA deste domingo a manchete “Família faz Uruguai repensar anistias” traz à tona a história de uma das vítimas das ditaduras, no caso do Uruguai, mas serve para todos. Mulher ativista política de 24 anos, presa por ser do movimento comunista dos Tupamaros, foi torturada e assassinada por militares. O laudo de óbito dos militares apontou suicídio, claro (igual ao do jornalista Vladimir Herzog). A família recorreu a justiça e conseguiu colocar os dois oficiais criminosos, um na ativa e outro da reserva, atrás das grades.  Nibia Sabalsagaray é uma das vítimas da loucura que é dar poder sem limites a militares. Existem muitas Níbias que morreram nas mãos das ditaduras e que até hoje não tiveram a honra lavada porque a Lei de Anistia protege criminosos (não há outra definição).
    No Brasil nunca será tarde para se criar um caminho como o seguido pela justiça Uruguaia. Não é possível que as dores e as injustiças cometidas contra a liberdade de expressão e ativismo político na ditadura ficarão sem condenação justa. O quê faz a justiça brasileira relutar tanto quanto à posição tão honrosa diante daqueles que são parte do país? São brasileiros afinal. Querem justiça.
    Apesar de que, com tantos escândalos políticos ligados a corrupção do dinheiro público, pode-se desencadear futuramente uma revolta popular. Uma insatisfação sem precedentes poderia exigir a presença do exército nas ruas. Muito além das fronteiras das favelas. E como culpar quem poderia ser útil no futuro?
    Sim, acredito num sem vergonha acordo entre poderosos para garantir sempre um apoio em caso de emergência. Afinal, temos uma oligarquia no poder.
    Temo sim um futuro onde nem mesmo artigos como os meus possam ser escritos livremente, sem perseguição. O passado serve de aprendizado para o futuro.
    Parabéns ao uruguai por fazer, nesse caso, justiça de verdade. Para terminar fecho com a frase do uruguaio Juan Sabalsagaray, irmão de Níbia Sabalsagaray, que serve para todos os governos que protegem criminosos: “É ilógico que exista essa lei. Minha irmã morreu e eu quero saber o que aconteceu. Estamos cansados de ouvir a histórinha do suicídio. NÃO HÁ NADA MAIS ANTIDEMOCRÁTICO DO QUE O ESTADO IMPEDIR A APURAÇÃO DE UM CRIME”.
   

sábado, 25 de dezembro de 2010

Nunca é tarde para avançar

    A condenação do ditador argentino Jorge Videla à prisão perpétua esquentou a cabeça de muitos que gostariam de ver os torturadores e assassinos do regime militar no Brasil (1964-1985) serem condenados pelos atos deles. Porém a Lei de Anistia de 1979, que limpou a barra dos militares brasileiros, ainda é válida no país e tanto no governo FHC, quanto no governo Lula, nada foi discutido a respeito para anular tal lei.  O debate em torno do assunto seria um passo para colocar fim à agonia de centenas de famílias, que até hoje sequer, sabem onde estão parentes desaparecidos durante o regime militar brasileiro.
    O próprio caso do suposto suicídio do jornalista Vladimir Herzog, talvez, encontraria uma explicação mais plausível para a morte dele dentro de uma cela do regime militar.
    Ao contrário do que já foi apontado pelo companheiro jornalista e colunista da FOLHA, Clóvis Rossi, por exemplo, penso que no governo Dilma Rousseff há sim que se levantar a discussão sobre o fim da Lei de Anistia.
    Sem essa de que seria uma revanche ou mais popularmente conhecida vingança, do lado daqueles que um dia foram as vítimas. Como a própria presidenta eleita, vítima de tortura durante o militarismo. Uma possível anulação da Lei de Anistia faria nascer um caminho mais seguro para o crescimento da liberdade de expressão no Brasil. Fortaleceria mais a democracia e traria alívio para os que querem saber onde estão seus entes queridos, que durante o regime militar, na maioria das vezes, queriam protestar e expressar suas idéias políticas e acabaram sumindo, como se nunca tivessem existido.
    Não é tarde, não há revanchismo, nem vingança. O que há é a necessidade de esclarecer  verdades e resgatar a dignidade de pessoas que tiveram famílias, que vivem hoje com um vazio no peito e de outras que foram vítimas de torturas, espancamentos, estupros e outras atrocidades.
    Que 2011 venha cheio de realizações e que um assunto tão relevante, como a queda da Lei de Anistia, esteja na pauta do governo eleito. Assim quem sabe poderemos começar a ver um país com um futuro verdadeiramente mais justo e seguro a todos. 

sexta-feira, 24 de dezembro de 2010

Guantánamo para sempre

    O Congresso americano aprovou projetos de investimentos na guerra contra o terrorismo. Entre esses eles estão algumas medidas que complicam ainda mais a vida de terroristas e supostos terroristas que estão na prisão da Baía de Guantánamo. Em resumo a decisão que envolve os prisioneiros é de que nenhum tipo de verba americana pode ser usada para transferir presos acusados de terrorismo, nem mesmo para serem julgados. Também proíbe que qualquer terrorista possa ser levado para dentro da casa o tio Sam. No meu entendimento seria um tipo de: deixem esses caras ai presos e bem longe de nossas fronteiras.
    Para quem sofreu o atentado de 11 de setembro e viu um carro bomba quase explodir, em abril deste ano, num dos mais movimentados pontos turísticos de Nova York, a Times Square, é compreensível que todo o possível seja feito para impedir que qualquer ato terrorista volte a atingir a população dos Estados Unidos. E isso envolve a segurança de pessoas de todas as nacionalidades, incluindo cerca de 6 milhões de muçulmanos que vivem na tão sonhada América.
    O presidente Obama não falou a respeito das novas dificuldades impostas para a desativação de Guantánamo, uma das promessas de campanha dele, mas afirmou que continua compromissado em fechá-la, pois à vê como ferramenta para incentivar novos alistamentos em exércitos terroristas. A verdade é que, enquanto grupos terroristas continuam fortes e agindo, será bem melhor aos Estados Unidos e a todo o Ocidente que pessoas como Khalid Sheikh Mohammed, acusado como um dos mentores dos terríveis ataques às torres gêmeas, continue sem oferecer riscos potenciais a segurança de pessoas inocentes. Afinal, pagar sangue com sangue é uma das maiores ignorâncias praticadas em diversos locais do mundo.

Foto: Vista da cidade de Nova York, sem o World Trade Center, que foi um dos alvos dos atentados de 11 de setembro de 2001
Fotógrafo: André Lara

quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

Revendo os inimigos


    Eu tinha sete anos quando a ditadura no Brasil caiu, ou melhor, começou a cair. O que lembro é do cortejo do funeral do então presidente eleito Tancredo Neves. Com uma câmera fotográfica de brinquedo nas mãos, eu tirava fotos da televisão. É o máximo que me recordo. Com os estudos conheci os horrores da repressão militar e até hoje vou conhecendo os rastros fúnebres e malditos que deixou na história do Brasil e da América Latina. Rastros que continuam se estendendo nos regimes ditatoriais espalhados pelo mundo.
    Ontem o ditador da extinta ditadura argentina Jorge Videla, foi condenado à prisão perpétua pelo assassinato de 30 presos politicos. Que bom, menos um. A ditadura na Argentina (1976-1983) teve como resultado 30 mil pessoas mortas e desaparecidas. Outros 800 réus aguardam julgamento e 66 pessoas, entre militares e civis, já foram julgados por repressão contra o próprio povo durante a ditadura.
     Como em todos os regimes militares, assassinatos, estupros, sequestros de pessoas e bens, roubo de bebês, torturas e perseguições acontecem. O que os ditadores esqueceram ou talvez se fizeram ignorar era a chegada do futuro, onde seus alvos se tornariam o Estado. Dai meu caro leitor, prevalece uma velha máxima de que quem bate esquece e quem apanha quer vingança. 

quarta-feira, 15 de dezembro de 2010

Erros na saúde pública


    Já gravei muito em hospital. Já testemunhei alas lotadas, gente no chão, idosos gemendo de dor sem remédio, crianças nas longas filas de atendimento, quando eram pra serem atendidas de imediato. O sistema de saúde pública do Brasil é fraco. Para se ter idéia, já vi médico ter de improvisar no meio da cirurgia por falta do aparelho correto. Falta até linha apropriada para sutura. Também, já vi bebê entrar para cirurgia e depois do ato, o médico dizer aos pais que o diagnóstico dado antes não era correto e que outro procedimento será feito com a criança, que indefesa, fica sob a proteção de pais, normalmente vitimas da indução a ignorância deste Estado. Na certeza de que é impossível contestar a autoridade médica, acatam as ordens dos profissionais da saúde e só sabem rezar e pedir a deus ou aos deuses que amparem o filho deles de uma desgraça, como uma injeção errada de vaselina liquida na veia.  
    A morte da menina Stephanie, de 12 anos, assassinada por uma auxiliar de enfermagem que não se deu o trabalho de fazer a própria obrigação e ver o que iria injetar na criança, não deve ser visto como caso isolado de erro médico. Há pessoas que têm a perna amputada erroneamente. Cirurgias feitas que nunca deveriam ter acontecido.
    A única verdade é que pessoas pagam planos de saúde, que nem sempre são honestos com seus contratantes, afim de se verem livres da incompetência do atendimento público de saúde. Certa vez tive a oportunidade de entrevistar o doutor Carlos Barradas, então Secretário de Saúde de São Paulo. Durante a entrevista o doutor Barradas apresentou as grandes premissas da ação do Estado na área da saúde. Deixei a última pergunta como um coringa guardado na manga, e questionei o então secretário de saúde do Estado, se ele e a família dele eram atendidos pelo SUS ou se tinham convênio medico. A resposta é óbvia.
    Sistema de saúde de qualidade no Brasil é só pra quem tem dinheiro, e muito, pois não é barato. E os pobres que aguardem nas filas, e cuidado com a vaselina, com as amputações erradas, etc...

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

Sudão há um ano


     Tento sintetizar neste artigo as experiências que vivi, em dezembro de 2009, quando viajei ao Sudão, na África. Lá produzi uma série de reportagens chamada “Sob o Sol do Sudão”, exibida em janeiro de 2010, pelo SBT. Conheci a capital Cartum e uma das regiões mais violentas e miseráveis do mundo, Darfur, no oeste do país. Darfur lembra o velho oeste, dos filmes americanos. É o lugar perfeito para antigas disputas entre cowboys armados. A comparação se deve à condição ruim que se encontra Darfur. Rica em petróleo, a região viveu 40 anos de uma guerra civil que,  há seis anos,  está “paralisada”. Como resultado da guerra, mais de 2 milhões de pessoas fugiram. Trezentas mil pessoas morreram, segundo as Nações Unidas. Região saariana, onde chuva é coisa rara, a tristeza da guerra juntou-se ao desespero da luta pela vida.  Homens, mulheres, crianças, idosos, definhavam de sede e fome em frente às câmeras da mídia mundial. Hoje a situação é melhor? Talvez, mas não torna as condições de vida dos habitantes menos tensa e castigada. O Sudão sofre embargo econômico dos Estados Unidos e países aliados. O presidente, Omar Al Bashir, há 40 anos no poder, e recentemente “reeleito” mais uma vez, é acusado de crimes de guerra pelo Tribunal Internacional de Haya.
     Na disputa entre os poderosos quem sofre é o povo. Faltam água, comida, remédios, escolas, hospitais, saneamento. O lugar é paupérrimo. Além disso vive sob uma ditadura militar islâmica. Oposição política existe, mas é abafada. Liberdade de expressão é algo perigoso de se praticar.

A capital
     Cartum, é uma cidade interessante e bonita. Lá, se encontram o Rio Nilo azul com o Nilo Branco, formando o Rio Nilo, que desagua no mar Mediterrâneo, ao Norte do Egito. Águas que, segundo a Bíblia, carregaram o bebê e profeta judeu Moisés para os braços da mulher do Faraó, dando origem à história mitológica do povo judeu. Também foi inspiração para o filme que leva o nome da capital, “Cartum”, filmado em 1966. A casa do general inglês Gordon (em deterioração) e a do revolucionário muçulmano Mahdi (bem conservada) estão abertas à visitação.
     Os habitantes locais tomam a água turva que vem do Nilo. Pouquíssimos têm dinheiro para comprar água engarrafada. A energia elétrica é pré paga e quem não pagar fica à luz de velas rapidinho.

As pirâmides dos Núbios
     Ao Norte de Cartum, seguindo pela estrada construída com investimentos do homem mais procurado do mundo, o saudita Osama Bin Laden, que morou no Sudão na década de noventa, chega-se as ruínas das pirâmides daqueles que são chamados de “os faraós negros”. Cerca de vinte pirâmides do império Núbio estão se decompondo aos poucos. As que receberam restauração ficaram muito diferentes das originais. Todas agora parecem abandonadas e em deterioração.

Visão geral
     Nas ruas há peculiaridades culturais muito interessantes, como as pinturas de henna que as mulheres casadas usam, as lutas livres em bairros cristãos, disputadas em arenas rudimentares. Por todo canto, há bares para fumar narguilé, típico cachimbo árabe, pois a proibição do alcool só deixa essa opção como diversão noturna aos habitantes. Mulheres vestidas de burca, veste islâmica que cobre todo o corpo e só deixa os olhos de fora, são  vistas andando para todos os lados, algumas com  as mãos cobertas com luvas. Mercados tradicionais de rua, onde se vendem carne e peixe ao ar livre e sem refrigeração. Vendem também marfim e cabelo de elefante.
     O Sudão enfrenta há tempo um processo de separação da parte Sul, que não consegui visitar. No sul,  a lei islâmica não é  obedecida por causa da resistência sócio-cultural dos povos da região.  Oficialmente, a questão vai ser decidida em plebiscito marcado para o primeiro semestre de 2011.  Ainda é uma incógnita se tudo ocorrerá em paz. Espero que tudo ocorra da melhor forma possível e o povo sudanês, carinhoso e receptivo, avance em direção a um futuro melhor.

Foto: Guia turístico dentro de uma das pirâmides do Sudão
Fotógrafo: André Lara