terça-feira, 11 de janeiro de 2011

Sob o sol da África

Pôr do sol na África,
na cidade de Cartum, capital do Sudão
Foto: Andre Lara /dez/2009

    Ontem falei por telefone com um amigo sudanês, que garantiu que a posição dos políticos em Cartum em relação ao referendo é calma. “Não há tensão.  O presidente já deu várias declarações de que o governo do Sudão aceitará o resultado do referendo”.
    Muito bem. Acho ótimo que Omar Al Bashir não queira movimentar o exército para segurar o sul do país. Afinal, por ordem do governo dele, muita gente inocente morreu. Porém, no interior do Sudão há muitos guerrilheiros, também no sul. Com certeza haverá disputas territoriais e políticas à base da bala.
    Em 2009, quando visitei o país, recebi a informação de que grupos nômades armados existem aos montes, são tribos. O Sudão é um vasto território, a maior parte não têm estradas asfaltadas. Foge ao controle do governo a movimentação de tribos que se deslocam procurando terra, e que aceitam lutar para ganhar dinheiro e comida. Questão de sobrevivência.
    As batalhas que estão acontecendo, anunciadas nos jornais, não são novidade. Sempre houve e com o aumento da instabilidade política que tende a ocorrer, caso a separação ocorra, só resultará em mais conflitos tribais por oportunidades melhor de existência. Dai não adianta apontar o dedo para ninguém, pois muitos são os senhores das armas que fazem seus negócios sombrios, armando tribos para se confrontarem. Não importa quem morra. Talvez, se pensar melhor, a secessão não é a solução de um problema e sim, o começo de vários outros. 
   Os governantes africanos estão temerosos. Acham que a independência do sul pode fortalecer ideais de separação que ocorrem em outros países, como Angola, Somália, Tanzânia, Marrocos e Senegal.
     A situação do continente africano é muito mais complexa do que podem mostras os jornais e TVs. A divisão étnica que existe é de proporção pitoresca e a cultura tribal é claramente predominante.
    Torço para que tudo ocorra em paz, mas temos que encarar que nem sempre a torcida basta. 

segunda-feira, 10 de janeiro de 2011

O velho oeste

Capitólio, símbolo da democracia americana
Foto: André Lara - Abril/2010
    Quando li que conservadores republicanos entregaram uma proposta de lei para regularizar nascidos de pais ilegais em alguns Estados Americanos deixando-os com uma certidão de nascimento diferente, pensei: que preconceituosa essa lei.
    Desde menino sei que se você nasce no Brasil é brasileiro, nasce nos Estados Unidos é americano. Dai, lendo, vi que na França, para que você seja registrado francês, um dos pais deve ser francês, independente se nasceu no país. Pensei de novo: que absurdo.
    Então, você nasce na França e não pode ser francês? Que “papagaiada”. É uma quebra do sentido correto das coisas. Como pode ser japonês quem nasceu em solo russo? Como pode ser búlgaro, quem nasceu no Brasil? O mais correto e o mais natural é: nasceu ali, dali é. Jesus, segundo a história, era de Nazaré, pois nasceu lá. Dai vem o nome Jesus de Nazaré.
    Claro que aparecem àqueles que darão a idéia absurda de que, para se beneficiarem, mães teriam os filhos no território de interesse da nacionalidade que ela deseja ao rebento. Então respondo: meu caro, as coisas não são bem assim. Não é tão simples você largar a segurança do seu berço para se aventurar na hora do parto. Então vamos ser razoáveis.
    A verdade é que leis que visam bloquear as chances de imigrantes de tentar uma vida melhor num país vizinho, num país europeu é o mais puro preconceito e discriminação. 
    Nos Estados Unidos há africanos ilegais, como muitos que estão no Brasil. Em Nova York entrevistei uma bengalesa ilegal, que tem uma vida muito melhor do que no pobre país Bangladesh. Quem não quer sair da pobreza e do subdesenvolvimento?
    Agora, há suspeitas de que o crime ocorrido em Tucson, no Arizona, tenha relação com assuntos relacionados à imigração e a impostos. Dois assuntos que envolvem indiretamente o preconceito contra o não americano e o pobre, americano ou não. Pode-se ver ai uma sombra escura que envolve as decisões de políticos, que não estão pensando nas reações do povo quando fazem seus debates e discursos inflamados. Que colocam na cabeça de jovens uma visão retrógrada e extremista, da qual o mundo não precisa mais.
    O rapaz de 22 anos, que matou seis, entre eles uma criança de 9 anos, e atingiu com um tiro na cabeça, a deputada DEMOCRATA Gabrielle Giffords, tinha naquele momento, a mente inflamada como a de alguém que ataca aviões contra prédios cheios de pessoas inocentes. A mira não era ela, mas o que ela representa.
   Hoje os discursos e debates políticos amanheceram mais amenos na América do tio Sam. E melhor que continuem assim e até mesmo aprendam a só fazer dessa maneira. Afinal, está mais que claro que terroristas extremistas não se vestem só com turbantes e nem todos são islâmicos, nem mesmo estão próximos de estar presos em Guantánamo. Pelo contrário, pois nos Estados Unidos, podem comprar armas em qualquer lugar e a qualquer hora, livres, leves e soltos.
    Para finalizar, quero lembrar aos retrógrados conservadores americanos de uma passagem da declaração de independência daquele país que descreve: todos os homens foram criados iguais, foram dotados pelo Criador de certos direitos inalienáveis, que entre eles estão a vida, a liberdade e a busca da felicidade.

sexta-feira, 7 de janeiro de 2011

Na beira do esgoto

    Almoçando com amigos jornalistas e contando sobre minhas experiências no Sudão, comentei que não havia água potável nas torneiras, que 90% do povo vive na pobreza e para a enorme maioria não há saneamento básico. Então um deles me disse: igual ao Brasil.
    Ele se referia ao saneamento básico. É verdade. Também é real a impossibilidade do Estado de resolver os problemas da falta de saneamento. A solução viria da parceria público privada. E não pense que isso não traria lucro às empresas.
     Estudos do Instituto Trata Brasil e da Fundação Getúlio Vargas apontam melhora de 13,3% na produtividade de trabalhadores com acesso à rede de esgoto. Ainda é apontado que 217 mil trabalhadores se afastam por problemas de saúde ligados a falta de saneamento e que o acesso básico reduziria em 65% o índice de mortalidade por falta do mesmo.
    Está ai uma preocupação de primeira classe na qual pode se empenhar o novo governo. Dar mais qualidade de vida à população levando saúde de verdade.  Com condições de vida mais saudáveis não precisariam investir tanto em hospitais, por exemplo. Aumentariam a capacidade de aprendizado das crianças e diminuiriam a exclusão social por falta de capacidade produtiva.
    Por incrível que pareça, o progresso pode vir através de um caminho muito mais simples, que é o melhor acesso à privada. Por essas e outras que digo que, em matéria de progresso, somos mais parecidos com a África do que com a América. 

quarta-feira, 5 de janeiro de 2011

Exposição - O deserto não é silente

Ver para crer



    Ao que tudo indica a paz reinará independente do resultado do referendo que ocorrerá dia 9, domingo, e que pode dividir o Sudão criando mais um país na Terra, foi o que deixou entendido Omar Al Bashir, presidente ditador do país. Condenado por crimes de guerra pelo Tribunal Internacional de Haya, Al Bashir visitou ontem a capital do sul, Juba, e declarou que continuarão as boas relações das partes do sul e do norte, independente do que ocorra.
    O resultado das votações optando pelo afastamento das duas partes em questão é mais provável (existe muita compra de voto e voto de cabresto no Sudão) e os políticos do sul vem trabalhando duro para ganhar a simpatia do povo sulista pelo afastamento da parte norte.  Mesmo assim, Omar Al Bashir disse que respeitará a decisão.
    Como eu já disse antes, o histórico do ditador não é bom, porém, diante do quadro que se encontra a imagem dele na comunidade internacional, será muito vantajoso para ele aceitar um resultado negativo aos nortistas e bancar a de pacificador coerente. Mesmo que isso lhe custe bilhões de dólares em petróleo que serão perdidos com a secessão.
    Continuo cético até que a transição, que durará dois anos, caso ocorra a divisão, conforme prevê o acordo de paz, seja completamente concluída. O clima no Sudão é de guerra. Por onde se anda vê-se policiais e soldados armados de fuzis, tanques, mísseis, metralhadoras de alto calibre em cima de jipes. Várias cidades vivem sob toque de recolher e a liberdade de expressão é coisa rara. Só resta esperar.
Foto legenda – Soldado e policial , ambos sudaneses, armados de fuzis, em Nyala-Darfur. Região foi palco de mais de vinte anos de guerra civil, rendeu ao ditador a condenação por crimes de guerra e vive sob toque de recolher. Dez/2009
Fotógrafo – André Lara

terça-feira, 4 de janeiro de 2011

Era uma vez um fato

    Era uma vez um jovem militante durante a ditadura, no país das Bananas. Todos os dias, sem empunhar armas, apenas com panfletos onde estavam escritas suas ideologias, ele saia às ruas para pregar os ideais contrários aos que na época governavam o país Bananas. Certa dia, ele não votou para casa. A mãe preocupada nem sabia para quem perguntar sobre o paradeiro do filho amado. Desesperada procurou por todos os locais, mas nada nem ninguém tinha informação. Depois de algum tempo, ficou sabendo que muitos ativistas da época, contrários ao governo das Bananas, sumiram como o filho dela. Descobriu que ele, provavelmente junto com outros, poderia ter sido preso, torturado, morto, enterrado ou talvez queimado como uma madeira velha. Indefesa, sem possibilidade de reivindicar justiça, calou-se por anos.
   O tempo passou e claro que aquela mãe não esqueceu do filho que nunca mais voltou. Então, com uma situação política mais liberal, mais decente e mais digna para um povo, ela procurou uma pessoa que poderia dar-lhe uma resposta que aliviasse a enorme angústia que lhe apertava o coração havia anos. Tristeza que valeram noites de insônia, onde imaginava a volta do filhote amado.
    A ajuda viria de um grande general. Homem do poder, ainda atuando na esfera política, recebeu a mãe do sumido e disse:
    - Minha senhora, seu filho àquela época se envolveu em atos de subversão. Ele atuou contra os princípios do Estado.
    A mãe respondeu:
-       Mas ele só tinha 20 anos e tinha sonhos, era um jovem começando a vida. Queria transmitir suas idéias. Nunca pegou em armas ou agrediu alguém. Apenas falava e escrevia. Sonhava em ser jornalista.
-       Não importa.
Respondeu o imponente militar. E continuou:
-       Agora o que você precisa ver é que isso faz parte do passado. Olhe para frente. Afinal, o sumiço do seu filho, como de muitos outros, é apenas um fato histórico.
Assim foi embora a mãe. Rezando para que tempo como aquele não voltasse mais. Imaginando que com isso, muitos outros filhos,  de outras mães, poderiam desaparecer e tornarem-se apenas fatos históricos.

segunda-feira, 3 de janeiro de 2011

A fantasia

    Contou Moacyr Scliar (colunista da FOLHA) uma história fictícia muito bacana. Cientistas se fantasiam de pandas para conseguir ter melhor progresso no tratamento e preservação da espécie, rara no mundo. Ainda, que um dos cientistas envolvidos no projeto ao se fantasiar de panda e passar um tempo com os animais foi especialmente acolhido pelos ursos e isso terminou em paixão. Caído pelos encantos de uma Panda, o cientista teve até que pedir transferência do setor. A história não termina ai, mas não é disso que quero falar.
    O que me chamou a atenção não foi a paixão maluca, mas sim a técnica criada. Imaginem só se na política tal façanha fosse aplicada. Os governistas tentando agradar a oposição e vice-versa. Temos que melhorar a relação com a presidente. Todos se vestem como Dilma. Temos que agradar fulano ou ciclano, veste-se a fantasia e vai.
    Até ai eu estava rindo dessa viagem, quando de repente pensei: imagina só se todos quisessem melhorar as relações com o presidente do Senado. Teríamos centenas dele no congresso.
    Fiquei assustado e parei de imaginar.
    

domingo, 2 de janeiro de 2011

A divisão incerta

     Se a união faz a força, no Sudão essa máxima não pega. No dia 9 de janeiro de 2011 ocorrerá um referendo que pode dividir o maior país da África da parte do Sul. O Sudão esteve em guerra civil por mais de vinte anos. Tudo por causa de jazidas de petróleo que enriquecem o país e fazem crescer a ganância por tê-las sob controle. O norte é totalmente enraizado na cultura árabe islâmica e o sul dividido entre cristãos e animistas. Não acho certo dizer que ao Sul estão os negros, pois quando visitei a parte norte daquele país, não conheci nenhum sudanês de pele branca. Talvez haja, mas não vi.
    Voltando às disputas territoriais, digo que sou cético a idéia de que tudo ocorrerá em paz, tendo em vista a crescente tensão pela aproximação do referendo.  Tropas de ambos os lados estão se movimentando e, se o clima fosse de total acordo isso não seria tão visível.
    O presidente do norte, Omar Al Bashir é acusado de genocídio e tem prisão decretada pelo Tribunal Internacional de Haya. O histórico não é bom. Além disso, há dúvidas sobre a legitimidade das últimas eleições que o reelegeram. Afinal a democracia é fraquíssima sob a mão de ferro imposta pelo ditador. Também é verdade que há promessa de total aceitação ao resultado das votações. 
    Só resta esperar. Torcer para que os lideres do norte,  ditos muçulmanos, e os líderes do sul não permitam que nenhum outro massacre espalhe mais sangue inocente no solo da mãe África. Isso seria muito triste e desesperador, uma vez que quem mais sai perdendo nesse jogo mortal são as mulheres, as crianças inocentes e os idosos que podem voltar a viver o inferno de outra guerra civil. 
Foto legenda -  À direita da foto, com microfone em mãos, o ditador sudanês Omar Al Bashir. 
Fotógrafo - André Lara